Mundo Drakon, continente Cassiopeia, reino Tebryn, ano 519. Um grupo de estranhos caminha vagarosamente em uma estrada de terra ao extremo leste do Condado dos Segredos, são quatro.
À frente, uma orgulhosa fira anda com a mão em sua espada e com o peito estufado. Possui cabelos castanhos e, assim como outros de sua raça, tem pele alaranjada e olhos completamente brancos, mas diferencia-se por um fator específico: o calor constante que seu corpo emite, esquentando tudo e todos ao seu redor. Essa característica geralmente incomoda as pessoas, mas nesta noite fria e úmida, é bem vinda.
Na retaguarda, um aesir anda em silêncio, carregando um grande machado em suas costas. É um homem alto, até para os padrões de sua raça, alcançando 250 centímetros de altura, e seus músculos parecem ser feitos de puro aço. Seus ombros são adornados pela pele de um lobo bestial, com a cabeça da fera descansando sobre seu ombro esquerdo.
Graciosamente, um tailox caminha enquanto conta histórias sobre antigos heróis. O homem raposa veste roupas leves e coloridas, mas reforçadas nas partes onde importa e envolvidas por uma escura capa esvoaçante. Ele narra os contos enquanto faz cortes no ar com seu sabre e interpreta os personagens das histórias. Porém, não são seus modos ou vestes que chamam a atenção, mas sim sua pelagem completamente branca.
Para concluir, de maneira desajeitada e aparentando cansaço, um levent, vestindo uma armadura e carregando um escudo, caminha tentando não ficar para trás. Mesmo para um levent, uma raça de pequenos homens alados, seu tamanho é diminuto, e ele realmente não parece ter se acostumado com todo seu equipamento ainda. Por cima da armadura, vão mantos brancos e no escudo vai o emblema do Arquipélago das Três Irmãs.
- Então o Mastim grita “Lupon, não se atreva a morrer antes que eu te prenda!” - diz o tailox fazendo um salto, dessa vez escorregando e esbarrando na guerreira fira.
- Urg, sai pra lá! - ela o empurra - Você não fecha essa matraca nunca, não? - ela diz e começa a apalpar o seus bolsos.
- Hehe… Me desculpe, é que às vezes eu me empolgo e… - os olhos do tailox albino se arregalam - Ei, o que você… Ah não, eu não acredito nisso!
- Aff… O que foi agora?
- Você… Você tá checando pra ver se eu não roubei nada!
A fira fica vermelha com a acusação… Ok, mais vermelha do que o normal.
- Aha! Eu sabia! - diz o tailox com um tom acusador - É sempre assim. “Se é um tailox, só pode ser um ladrão.”
- Isso é o que você tá dizendo - rebate a fira enquanto desvia o olhar.
- Pessoal, pra que isso? - diz o levent - Somos companheiros, devemos nos tratar melhor.
- Companheiros, é? - diz o aesir - A gente se conheceu na estrada por coincidência. Pra mim, são apenas estranhos.
- Não existem coincidências meu amigo. Se o destino nos uniu, deve haver um propósito...
O levent é interrompido, quando um trovão reverbera pelos céus e uma nuvens negras se aproximam.
- Já não bastava esse mala, agora ainda vai ter chuva - reclama a fira.
- Pois saiba que esse mala, teve uma ideia - o tailox aponta para uma estrutura mais a frente - Tá vendo aquela torre ali? Parece estar abandonada. Poderíamos esperar a chuva passar, lá.
- Nem ferrando que eu… - começou a dizer a fira, mas para subitamente ao ver a silhueta de lobos na floresta - Eh, quer saber? Talvez não seja uma ideia tão ruim.
Todo o grupo, com exceção do aesir, que apenas os segue andando, corre em direção à torre. Todos entram e se deparam com um local decrépito e em completa ruína, mas ainda assim fecham a porta atrás de si.
- Eu lembro de uma história parecida… - diz o tailox com uma voz receosa - Um grupo da Hoste de Hadorn, que foi mandado a Faendum, teve que se abrigar em uma mansão repleta de mortos vivos após serem emboscados por lobos. Não terminou bem...
- Não enche - diz a fira, que puxa uma tocha e a acende com a ponta do dedo.
- Wow, você é uma feiticeira ou algo do tipo? - pergunta o levent.
- Você viu ela desenhando alguma runa arcana? - responde o tailox - Isso não foi magia.
- O que você sabe sobre magia? - diz a fira, com um certo ar de desdém.
- O suficiente para fazer isso - ele desenha um símbolo no ar com a ponta dos dedos, fazendo a sua própria tocha irromper em chamas.
- Você… É um feiticeiro?
- Ah mademoiselle, sou isso e muito mais - responde com um sorriso maroto.
O grupo então decide explorar a torre mais a fundo. Enquanto cruzam corredores repletos de quadros retratando nobres e salas cobertas por estantes de livros, o tailox vê um vulto indo em direção às escadas.
- Pessoal, tenho certeza que vi alguém subindo pro próximo andar.
- Estamos sozinhos aqui, segura tua onda - diz a fira.
- Talvez não - diz o aesir - Não é incomum goblins utilizarem de locais como esse como covil - ele então vai até as escadas e o grupo o segue.
Chegando no andar de cima, encontram uma sala diferente. Ela é grande, circular, coberta por velas e com um círculo com símbolos estranhos no centro. Antes que possam reagir a isso, todas as velas se acendem, mas com um brilho azul.
- Finalmente, os sacrifícios que eu precisava! - diz uma figura fantasmagórica no centro da sala.
- Quem é você, oh criatura vil? - grita o levent paladino, tomando um passo à frente.
- Sou Aeris, o terceiro da ordem dos três magos - grita enquanto desenha símbolos no ar - E finalmente poderei voltar à vida, quando vocês forem mortos por ele.
As inscrições do círculo começam a brilhar e um portal se abre, dele sai uma criatura de 3 metros de altura, pele vermelha, chifres e pernas de bode, asas de morcego e com uma calda que mais parece uma lança. Um demônio, que carrega um mangual flamejante.
A criatura avança para cima dos aventureiros, atacando com sua arma em um movimento aberto e horizontal. O tailox pula para longe do ataque, o levent deflete a maça bem quando esta iria atingir a guerreira, defletindo-a com seu escudo.
A guerreira avança e segura o antebraço do demônio com sua mão esquerda e prepara-se para atacar com sua espada na mão direita. Ela já havia usado essa técnica múltiplas vezes, queimar o inimigo para fazer com que este abra a sua guarda, permitindo assim que ela ataque. Porém, desta vez o alvo permaneceu imovél e sem reação frente ao calor gerado pela fira.
- Ele vive nas profundezas do inferno - grita o tailox - Acho que fogo não seria uma de suas preocupações.
Mas o aviso chegou tarde demais. A criatura acerta a guerreira com a parte de trás da mão. Ela é jogada para trás, na direção do aesir. Este a segura, mas então a tira do caminho com a mesma brutalidade e ataca o demônio com seu machado, conseguindo cortar superficialmente seu antebraço.
- A besta sangra, - diz o bárbaro - logo, morre.
O grupo luta contra a besta, esquivando da maioria de seus ataques, mas sendo punida cruelmente por cada falha, já que cada acerto da criatura significa um osso quebrado. A criatura em si não parece estar sendo muito afetada pelos golpes, cada corte é cauterizado em segundos. Porém subitamente, o paladino levent, aquele que havia causado menos dano durante toda a luta, toca no ombro do tailox e lhe faz um pedido.
- Eu só preciso acertar um golpe - diz ele - Mantenha-o parado, que eu juro que mando ela de volta para o abismo de onde surgiu.
- Você tem certeza? - pergunta o tailox, incrédulo.
- Confia em mim, eu já matei um dragão.
- Hahaha - o tailox ri - Sorte a sua que nas história, paladinos nunca mentem.
O tailox então corre na direção da criatura, escorrega por entre suas pernas e começa a desenhar uma runa que se fixa às costas do demônio. Porém, a surpresa do guerreiro infernal foi temporária, este se vira e chuta o homem raposa para longe.
- Idiota! - grita o aesir - No que estava pensando?!
- Tá feito - diz o tailox ainda no chão, tossindo sangue, mas ainda com um sorriso no rosto.
Neste momento, o guerreiro percebe o que aconteceu. O demônio não consegue tirar os pés do chão. A cada vez que tenta, algum tipo de força eletromagnética o impede.
- É tudo que eu precisava - diz o levent - Oh, cria do caos! Saíste do fogo infernal, apenas para se tornar cinzas.
O pequeno paladino corre na direção da criatura, largando seu escudo e segurando a espada com ambas as mãos.
- JUSTIÇA FINAL!!!
Ele trespassa o demônio com sua espada e após um segundo de silêncio, a criatura explode em chamas vermelhas, sobrando apenas as cinzas.
O paladino então cai de joelhos, precisando se apoiar na espada para voltar a ficar de pé. Ele então olha para o espectro, que possui uma expressão horrorizada em seu rosto.
- Aeris, não é? - ele aponta um dedo para o antigo mago - Você é o próximo!
- Não… Eu falhei… Talvez… - o espectro balbucia - Floresta dos Antigos… Se eu pedir perdão… Ele pode me reviver… Segunda chance… Preciso ir para a Floresta dos Antigos!
O ser fantasmagórico então voa pela janela, disparando na direção leste.
Algumas horas depois, o grupo está sentando em uma mesa. O aesir trata dos ferimentos de cada um em silêncio.
- Você é o próximo? - diz o tailox rindo - Tu nem conseguiu se levantar sozinho!
- Olha quem fala - responde o levent - Se soubesse que iria se quebrar todo para imobilizar o monstro com a sua magia, teria pedido ao bárbaro.
- Falando nisso, que história foi aquela de ter matado um dragão? - pergunta o tailox, mais sério - Como fez?
- Impossível - diz o aesir - Não se “mata um dragão” assim tão fácil.
- Não foi você que disse “Sangra, logo, morre”? - diz a fira.
- É diferente - responde o aesir, que volta se focar nos ferimentos dos seus aliados, mas agora com uma expressão emburrada no rosto.
- Não, ele tem razão - diz o levent - Mas não fui eu sozinho. Tive ajuda de outras pessoas, um deles era o espírito de um antigo herói chamado Leoward Silverkin. Este, ainda por cima, era um celestial.
- Meu deus, onde foi isso? - pergunta o tailox.
- Na Floresta dos Antigos, eu estava vindo de lá. Decidi que já era hora de ir para outro lugar, já que o problema já havia se resolvido e eu não queria me envolver com a tensão política da região.
- Tensão política?
- Nem me pergunte. Não sei, não quero saber e tenho… Ok, raiva eu não tenho, mas você pegou a ideia.
- Ah, pelo amor - diz a fira - Você tá mesmo comprando a história desse cara? Ele mal cabe na própria armadura.
- Paladinos nunca mentem - diz o tailox.
- Nem todos são assim, só os que seguem o código da honestidade - clarifica o levent.
- Você segue?
- Sim.
- Então você nunca mente!
- Como você sabe que ele não está mentindo sobre isso? - exclama a fira.
- Assim, ele acabou de destruir um demônio com uma espadada - lembra o tailox - Eu daria um crédito pro cara - após fazer seu ponto, o tailox se levanta e vai investigar o resto da torre.
- Enfim, mas parece que foi uma perda de tempo, já que vamos ter que voltar para a Floresta do Antigos mesmo - conclui o levent.
- Nós? - questiona a fira - Oí? Como assim?
- Ué, o espectro falou que ia para lá. Precisamos ir impedir seja lá o que ele esteja planejando.
- Por quê? Onde que isso é problema nosso?
- Eu vou - diz o aesir.
- Eu também, afinal, é o certo a se fazer - diz o tailox.
- Vocês só podem estar de brincadeira comigo - a fira diz colocando as mãos na cabeça.
- Você não precisa ir se não quiser - diz o paladino.
- Ei pessoal, saca só o que achei - o tailox diz, voltando carregando algumas coisas - Tem tipo, uns três pergaminhos de magia elemental. Além disso, tem essa caixa de jóias aqui.
A fira arregala os olhos e tenta pegar a caixa, mas o tailox dá um tapa em sua mão.
- Nananinanão - ele diz sorrindo de canto de boca - Eu achei, é meu.
- Que egoísmo! - ela fala enquanto esquenta o ar ao seu redor - É assim que um herói romântico agiria?
- Não, felizmente eu prefiro os anti-heróis. Te dou se vier caçar o fantasma com a gente.
- Isso é chantagem!
- Não, é uma negociação comercial. Todo mundo sai ganhando.
- Uhm, tá bem. Negócio fechado - ela para para pensar por um tempo e se vira para o aesir - Eu tô nessa pelo dinheiro. Os dois heróis estão nessa por idiotice. Você tá nessa pelo quê, oh grandão?
- Quero um favor de vocês dois - diz o aesir.
- O que seria? - pergunta o levent.
- Vocês vão me ajudar a matar um dragão.
Eles ficam em silêncio por um tempo, até que o levent cai na gargalhada.
- Por que não falou logo? - ele diz contendo o riso - Negócio fechado.
- Hum - o tailox sorri - Isso eu faço de graça.
- Ok, - diz abismada a fira - é oficial. Estou cercada por um bando malucos.
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