- Salve, cachorro! - grita o aesir guerreiro.
- Aquele coelho tem chifres e... - o levent paladino começa a dizer.
- E brilha no escuro? - completa o tailox espadachim aprendiz de feiticeiro.
A elfa druida fica corada com os comentários, mas se mantém em silêncio.
- Oi, cê não me ouviu? - diz o aesir - Eu te comprimentei.
A elfa continua em silêncio, os olhando altivamente.
- Se não responde eu vou comer esse coelho aí, que nós é três tu é uma só… - o aesir provoca.
- Ele é uma lebre, não um coelho! - exclama a elfa - Um lebrílope para ser mais específico e… Ah, não importa! - ela começa a ir embora.
- Ei, calma aí - o levent intervém - Desculpa meu amigo, ele só tá meio animado depois da batalha. Mas, afinal de contas, quem é você e porque nos ajudou?
A elfa para e se vira lentamente.
- Quem eu sou não é da sua conta - ela diz forçando uma expressão severa - E os ajudei apenas por ser a coisa certa a se fazer - sua expressão muda para uma um pouco mais preocupada.
- O que quer dizer com isso?
- Eu nunca machucaria uma criatura inocente, mas estes animais não eram eles mesmos. Eles estavam sofrendo. Alguém usou algum tipo de magia para suprimir todas as suas emoções além do ódio e da dor.
- Deve ser o tal do segundo feiticeiro - diz o tailox - Ele está em algum lugar dessa floresta, não é?
- Espera, vocês sabem quem fez isso? - pergunta a elfa.
- É só uma teoria, mas isso soa muito com o tipo de coisa que um feiticeiro maligno faria. Estamos atrás dele para impedi-lo.
- Neste caso, eu irei com vocês!
- Ok, mas eu tô com fome… - diz o aesir - Esse coelho aí tá no cardápio?
- Claro que não! - exclama a elfa - Urgh, mas tudo bem. Posso resolver seu problema - ela então desenha um selo místico sobre uma árvore, que instantaneamente começa a gerar grandes e suculentos frutos - Comam. Estes frutos são bons e irão revigorar seu espírito.
Os três pegam um fruto cada, com cada fruto sendo do tamanho de um punho fechado. Eles dão uma mordida e logo ficam hipnotizados pelo sabor divino do fruto.
- Muito obrigado por nos ajudar - diz o levent.
- De nada, mas se tocarem no meu coelho eu mato vocês.
- Coelho? Não era um lebrílope? - pergunta o aesir, com um sorriso de canto de boca.
A elfa suspira e começa a andar.
- Vamos, eu consigo seguir o rastro mágico que nos levará a esse... Feiticeiro maligno.
O grupo então anda pela floresta, que cada vez fica mais fechada e mais escura. Uma névoa começa a surgir, ficando cada vez mais densa.
- Vamos acabar nos perdendo assim - diz o levent.
- Não vamos não, a elfa disse que consegue ver o rastro de magia - corrige o levent.
- Não mais - a elfa explica - Na verdade, sim, eu ainda consigo ver a aura mágica, mas parece que estamos cercados por uma. Essa névoa é claramente de natureza arcana. Se nos perdemos dentro dela, não vou conseguir achar a saída.
- Não é como se tivéssemos escolha - diz o aesir.
Os aventureiros se entreolham e então adentram a névoa. Eles andam lentamente, sempre fazendo questão de ficarem próximos o suficiente para que possam ver uns aos outros. A névoa afeta severamente sua visibilidade, mas sua respiração parece normal. Tudo parecia estar indo bem, até que…
- Mais uma vez você depende de seus companheiros, paladino - uma voz que mais parece um trovão ecoa nos ouvidos do levent.
Ele se vira na direção da voz e vê um celestial em meio a névoa, um ser feito de pura luz, vestindo uma armadura completa prateada, o mesmo celestial que o ajudou em sua primeira grande aventura meses atrás.
- Silverkin? O que faz aqui - diz o levent - Eu achei que você tinha ficado em Ambrook e…
- Eu vim observar seu progresso, paladino - o celestial começa a andar ao redor do levent - Você disse que iria honrar seu povo ao se tornar um arauto da justiça, mas ainda vejo o mesmo paladino patético daquele dia.
O levent olha ao redor, apenas para perceber que se separou do grupo e que está sozinho.
- Como ousa dizer que matou um dragão? - pergunta o celestial - Quando nós sabemos que só conseguiu este feito com a minha ajuda?
- Mas, você disse que me ajudou pois viu potencial em mim - protesta o levent.
- Potencial? Eu o fiz apenas para proteger o cálice das fadas, nada mais! Que potencial há em um homem que não conseguiu salvar nenhum de seus amigos? Você acha que foi o único sobrevivente por um propósito maior? Vou compartilhar com você minha sabedoria divina e lhe garantir que foi apenas sorte. Qualquer um dos seus companheiros teria sido mais digno do que você.
A elfa anda pela névoa, mas quando olha para o grupo, percebe que o levent sumiu.
- Pessoal, onde está o… - ela não termina a frase, quando ouve uma voz familiar.
- Filha.
Ela olha em volta e vê seu pai em meio à névoa. O rei dos elfos de Ambrook.
- Pai? - ela olha incrédula - Como isso é… Não é possível. Você está morto.
- Sim, mas tudo bem, pois meu legado ainda vive. Ambrook é meu legado. Você manteve nosso povo seguro após eu partir, certo?
Essa pergunta acerta como uma flecha no coração.
- Pai, eu não tive escolha. Minha irmã tomou Ambrook e ordenou a minha morte.
- E o que você fez?
- Eu… Eu fugi...
- Você deixou nosso povo e fugiu?
- Ela é a sua herdeira, o que eu poderia fazer?
- Herdeira? Você pode não ser minha filha de verdade, mas eu confiei Ambrook a você! Meu último desejo antes de morrer foi que você fosse a minha sucessora, mas nem isso você fez por mim!
- Me perdoe, pai! - a elfa chora - Me perdoe…
- Não me chame de pai! Adotá-la foi um erro! Você não passa de uma decepção!
- Ei, bárbaro. Onde estão os outros dois? - pergunta o tailox.
- Eles sumiram - diz o bárbaro enquanto olha ao redor - Mas eles estavam bem aqui a segundos atrás.
- Deve ser a névoa, tem algo mágico nela e… - um barulho faz o tailox ficar em silêncio - Você ouviu isso?
- Sim - diz o aesir.
Ambos ouviram um barulho muito familiar, a respiração pesada de um dragão, mas de qualquer dragão.
Os dois se viram na direção do som e se deparam um grande dragão negro.
- Você? - os dois dizem ao mesmo tempo, enquanto olham para a besta.
- A quanto tempo? - diz o dragão.
- Você está vendo isso? - quando o tailox se vira, o aesir não está mais ali.
- Temos que trabalhar juntos se pretendemos sair dessa vivos - o aesir explica, mas quando se vira, seu companheiro tailox sumiu.
- Tudo bem, eu vou te matar sozinho - diz o tailox, enquanto saca uma adaga de drakonite.
- O seu pai falhou, o que te faz pensar que você terá sucesso? - pergunta o dragão.
- Meu pai não estava lá! - grita o aesir - Mas eu estava... Eu vi quando você destruiu o meu clã!
- Você só está vivo agora porque eu decidi lhe poupar - responde o dragão - Você era apenas uma criança patética, mas lutou mesmo assim. Porém, não considere nem por um momento que eu o poupei por algum senso de honra ou respeito. Eu o fiz apenas para nutrir seu ódio. Para que você dedicasse sua vida inteira a me derrotar, apenas para que eu possa ver sua expressão quando você perceber que todos os seus esforços são insignificantes perante o meu poder.
- Eu vou te matar! - gritam ambos o aesir e o tailox.
A luta se inicia, o tailox esquiva das garras cortantes do dragão, enquanto que o aesir se esquiva de seu bafo de fogo. Eles são atingidos múltiplas vezes, mas sempre que acertam o dragão, este se regenera instantaneamente. A batalha dura uma eternidade, pelo menos é o que parece, mas quando ambos se encontram nas suas últimas forças, eles percebem algo: o dragão não deixa pegadas no chão e não possui sombra.
- É uma ilusão! - ambos dizem ao mesmo tempo, dissipando a magia ao perceberem sua natureza.
Eles então olham um para o outro e percebem o que aconteceu. Eles não estavam lutando contra um dragão, mas contra si mesmos. As chamas que queimavam o aesir, pertenciam ao aprendiz de feiticeiro; e as garras afiadas que cortavam o tailox, pertenciam ao machado do guerreiro.
- Isso é ruim, os outros dois devem ter sido hipnotizados também! - exclama o tailox.
- Temos que achá-los - diz o aesir.
- Não! - gritos desesperados vem da floresta - Não é verdade! Isso é impossível!
Após uma rápida troca de olhares, o aesir e o tailox correm na direção dos gritos e encontram a elfa e o levent, mas eles não estão lutando entre si, como eles esperavam, mas agredindo a si mesmos.
- O que diabos está acontecendo com ele? - pergunta o aesir.
- Eu não sei, mas precisamos ajudá-los! - o tailox corre na direção do levent.
- Paladino, acalme-se! - diz o tailox.
- Eu não sou digno! - grita o levent, enquanto se autoflagela - Eu não sou digno de me chamar de paladino!
- Isso não é verdade!
- Meu amigos estão mortos por minha causa!
- E nós? Não somos seus amigos?
- O que?
- Nós só saímos vivos daquela maldita torre porque você derrotou aquele demônio. Eu vi a justiça encarnada na sua espada naquele dia.
- Mas… Isso não muda o fato de outros tiveram que dar a vida por mim no passado.
- Não, isso nunca vai mudar. Mas eu sei de uma coisa, eu só estou vivo hoje, porque alguém deu a vida para que você pudesse me salvar. Você não pode trazer seus amigos de volta a vida, paladino, mas você pode garantir que a morte deles não tenha sido em vão.
O levent finalmente para de se debater e sua visão fica mais clara. A ilusão foi dissipada.
- Me desculpe pai! - se debate a elfa - Eu falhei!
- Do que você está falando, druida? - pergunta o aesir.
- Eu falhei com meu pai! Eu abandonei meu povo!
- Você não faria isso - ele diz - Uma mulher que ajudou três estranhos no meio de uma floresta não abandonaria o seu povo!
- Você não me conhece - ela diz - Eu fugi das minhas responsabilidades... Eu decepcionei meu pai…
- Tudo bem, nós cometemos erros - diz o aesir - Mas não são nossas quedas que nos definem, mas se decidirmos nos levantar ou ficar no chão.
- É fácil pra você dizer isso. Você não sabe como eu me sinto.
- Eu sei sim - admite o aesir - Sei muito bem...
- Como?
- Eu falhei com uma pessoa importante para mim enquanto ela estava em seu pior momento. Eu abandonei ela e o fiz por motivos egoístas.
- Quem?
- Eu… - o aesir diz com dificuldade - Eu vim para Tebryn para não ter que olhar meu pai nos olhos, após a destruição do nosso clã.
- Você não consegue se perdoar, é isso? - pergunta a elfa - Você se culpa pela destruição do seu clã?
- Não, é pior - o aesir diz enquanto lágrimas caem de seus olhos - É meu pai quem eu não consigo perdoar.
Os dois se abraçam e a névoa finalmente se dissipa.
O grupo se levanta e olha o caminho à sua frente. A jornada pela floresta ainda será longa, mas a torre do mago pode ser vista no horizonte. Segredos foram revelados, origens foram descobertas, mas o objetivo do grupo permanece o mesmo: derrotar o segundo feiticeiro e salvar Drakon.
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